terça-feira, 10 de março de 2009

Conto: Glória de Guerra

As paredes são espelhadas. Nós olhamos a nós mesmos nos espelhos expostos ao longo do corredor que nos conduz até à plataforma central. Ela vibra. Todos colidem. A trepidação aumenta. As colisões persistem. Trata-se de uma multidão. Ponho a mão no bolso e toco em minhas balas. O coração dispara ecoando outros corações que disparam - eles sabem que eu estou aqui. Caminho rumo ao plano mais alto, onde está o comandante. Dá-se um abalo. O chão treme. Eu avanço na massa, mas um trovão atinge o meu peito e se espalha por mim. Eu também o abraço. Ondas de ombros chocam-se e esquivam-se umas das outras. Dou passos titubeantes em meio a elas. A noite está tépida. Olho para um lado e para o outro. É como se cada um ali pudesse ser um suspeito ou merecedor de um beijo. Alguns me fulminam. Outros não vêem nada. Quando todos se sacodem, eu os imito, sou a mimese do outro, somos todos um e mais que isso. Os faróis ao alto se entrecruzam. O comandante está excitado, por isso sacode os braços para o alto vorazmente. Ele, só poderia ser um ele, tem a barba rala, um rabo de cavalo para trás e uma franja petróleo recobre sua face. Ele é o máximo. O seu corpo alucina sobre o equipamento, está em êxtase de guerra. O soldador da tropa esbarra em mim, me olha através dos seus óculos pretos gigantes e me pede uma bala. Eu dou e ele some no povo. O comandante nos clama. Ergue-se sobre a máquina como um urso, seu semblante franze em meio aos fones de ouvidos gigantes. Sei que está por vir: come, come, come. Tomo uma bala. Ele vai disparar. Meu corpo treme e todos os corpos ecoam-no. De repente, jorram tiros das metralhadoras cibernéticas por toda parte. Quem atira? Todos e ninguém. Minhas balas, suas balas, as balas deles e as do comandante, todas juntas cintilam no espaço metralhado. Meu sangue ferve e todos borbulham. Tenho medo, mas foi para isso que eu vim. Medo da morte. Morte por bala. Não me escondo, mexo-me sem parar, de um lado para o outro, todos são ombros e bocas abertas, mas eu me esquivo. Uma bala atinge a palma da mão e ela explode. Eu miro-a. Ninguém escapa, eu já sabia, os projéteis atingem a todos. Eu me debato. Outra bala atinge o lóbulo da minha orelha esquerda e eu a toco levemente. Não há sangue, sinto. Outra no peito, no pescoço, nos meus sonhos e na vontade de voltar um dia para casa. Eu fico. Eu gosto da guerra, é por isso que eu vim. Paguei para estar aqui. Por alguns instantes o ritmo se acalma, mas permanece o ar fumegante e os corpos atingidos surtam. Todos nós queremos mais. Aguardamos mais. Ele há de retomar: come, come, come. Um cego me toca por trás e sussurra algo no meu ouvido. Eu sinto seu cano duro contra mim. Deve estar vazio, porque ele quer bala. Eu dou bala para ele. Somos todos dominados pelos tiros que arrebatam nossos psiques. Mesmo eu que sou comércio. Queremos mais. Sei que ele vai nos dar, ele nunca falha. Fixo os olhos no comandante que se prepara. Ele é ainda maior do que imaginei, seus braços são tatuados por inteiro e sua pele é clara como a minha. Uma mulher se aproxima. Ela me irrita, todas elas, mas essa ainda mais porque ela me diz o seu nome. Julia. Ela também quer bala. Eu vendo para ela pelo dobro do preço. Ela se oferece para mim. Eu a dispenso, pois não tenho tempo para veadagem. Gosto mesmo é do comandante. Coloco a mão no pau. Os discos voadores decolam da mesa de som. Eu sinto um gozo leve irradiar na base da minha espinha cervical. É a bala. Fixo olhar nele que faz decolar óvnis, a sala fica tomada deles e seus zunidos tomam conta de mim, eles rondam ao alto e todos miram perdidos e achados ao mesmo tempo. Tudo treme. É a guerra. Os ombros se chocam. Eu mergulho neles. Agarro um corpo, qualquer um. O corpo me agarra também e nós nos beijamos. A língua rija entra dentro da minha boca e eu enrosco a minha nela. Um dedo pontudo toca minha nádega. Eu não estou nem aí, eu deixo. Foi para isso que eu vim. O comandante é bom para nós, ele jorra uma tempestade de projéteis sobre nós. Sacudimo-nos no granizo. Minhas costas estão perfuradas, nossa costas inteiras. Preciso dar uma mijada, por isso digo adeus à língua. Ela me cospe. Eu cuspo nela. A língua tem olhos e eu os vejo pela primeira vez, são vermelhos. Tenho vontade de socá-lo, mas ele é mais forte. Eu o perdôo por isso, porque eu gosto sempre de alguém mais forte. Eu viro e me vou. O sangue jorra das perfurações do meu corpo e eu finalmente me sinto feliz. Penso em fazer uma tatuagem de cada uma delas para tê-las eternamente comigo e nunca mais esquecer que elas existiram. Que tédio é quando não as há. Perto do banheiro há colchões no chão e de lá exala um odor fétido, são os corpos exaustos da êxtase. Alguns ainda se mexem ou lambem suas feridas. Eu tenho vontade de deitar, mas preciso mijar. No banheiro, as paredes são também espelhadas. Eu me olho e vejo como eu sou bonito, sou muito bonito mesmo, quase linda de tão bonito! Para celebrar, eu lambo a mim mesmo no espelho. Alguém me avisa que chegou a minha vez. Eu entro no cubículo, mas deixo a porta aberta para todos poderem ver o meu pau. Abro o zíper da calça e tiro-o para fora. Ele é tão magnífico que eu fico admirando-o e esqueço de mijar. O rapaz atrás de mim na fila reclama, mas quando eu me viro ele vê o meu pau retumbante e fica quieto. Eu pergunto se ele quer. Ele diz que quer. Eu dou uma bala para ele. Ele me chupa. Cinco outros homens da fila nos observam com seus paus rijos. Guerra é assim. Eu mijo dentro da boca do rapaz e vejo o sangue transbordar da sua orelha. Ou será a gala? Ele goza no chão, também é sangue. Ou será o efeito da bala? Estamos felizes como nunca, todos nós. Eu convido-o para morrermos juntos no colchão, ele chama seus cinco amigos e todos nós adormecemos em meio à nossa Glória.

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