Toda viagem começa bem antes do caminho até o aeroporto. Minha viagem à Rússia já está começando!
Por indicação de uma amiga do meu pai, viúva de um brasileiro-russo chamado Yura, com quem convivi alegremente durante a infância nas festas de família, conversei hoje com Dona Olga. Só sabia que Dona Olga tinha uma relação forte com a Rússia e poderia me colocar em contato com um casal de russos-brasileiros que vive em São Petersburgo. Duas horas depois, ainda não havíamos chegado ao tema de obter o e-mail deles! Os russos são altamente discursivos e cada “causo” é uma narrativa completa e densa, assim como os textos de Dostoievski.
Por indicação de uma amiga do meu pai, viúva de um brasileiro-russo chamado Yura, com quem convivi alegremente durante a infância nas festas de família, conversei hoje com Dona Olga. Só sabia que Dona Olga tinha uma relação forte com a Rússia e poderia me colocar em contato com um casal de russos-brasileiros que vive em São Petersburgo. Duas horas depois, ainda não havíamos chegado ao tema de obter o e-mail deles! Os russos são altamente discursivos e cada “causo” é uma narrativa completa e densa, assim como os textos de Dostoievski.
Dona Olga teve uma vida que é até difícil visualizar para alguém da nossa geração. Octogenária altiva e falante, inteligente e orgulhosa, contou-me sobre como ela nascera na China! Era uma “chinesa branca”, como diziam os que migraram da Rússia para a China após a Revolução. Quando Mao Tse Tsung chegou ao poder resolveu expulsar da China todos os “de raças européias”. Assim sendo, já órfã de pai e mãe, aos 15 anos, ela e sua tia (mais os japoneses que viviam em sua vila) foram colocadas num trem que em 52 horas as levou até Hong Kong. Lá ficaram à espera de um navio que a levaria para alguma parte do mundo.
Na época falava fluentemente: chinês, russo e inglês, mas nunca ouvira falar de Brasil ou da língua portuguesa. Quando chegou ao porto de Santos, recebeu documentos que a caracterizavam como “apatriada” – disse-me da dor de ser considerada isso: sem pátria. Identificou-se com o cosmopolitanismo brasileiro, aonde as várias etnias convivem amávelmente, diferentemente de sua terra natal. Ficou. Contou-me muitas e muitas histórias de sua vida em São Paulo, aonde trabalhou como operária e tradutora. Também, contou-me sobre o nacionalismo eslavófilo (coisa sobre a qual quero melhor aprender), de como um de seus parentes trabalhou com Pedro o Grande e o outro era engenheiro e poeta, um liberal que acreditava na união dos povos da Rússia e não o separatismo (ecos do que lemos no jornal esses dias, não?) e de como mesmo ela cresceu imbuída pelos pais de um sentimento de patriotismo russo muito grande. Recentemente, participou em Moscou de um Congresso que reuniu russos criados em outras nações e emocionou-se com esta cidade, mas ainda mais com São Petesburgo.
Quantos mistérios!!! Quantos deles poderei ao menos tocar durante a viagem, quanto menos desvendar? E mesmo assim, o viajante é aquele que é imbuído da curiosidade pela alteridade, acredita e segue seu rumo.
Entusiasmada, liguei para o Consultado Russo com a missão de obter um visto. Atendeu um homem russo e eu perguntei, “Queria tirar uma dúvida sobre algo que li no site sobre os vistos.” Ele fez um barulinho curioso, “Nhum-nham-nhum", e depois disse "Dúvidas está tudo no site.” Eu disse, “Sim, eu li o site, mas fiquei com uma dúvida.” “Num-nham-nhum, está tudo tudo no site.” “Sei. Você prefere que eu vá ai pessoalmente?” “Nhum-nham-nhum, pode ligar depois das 13hs?” Irei pessoalmente. Quero ver ao vivo!
Sei que não será fácil, pois esta será uma viagem para o Oriente, para outra dimensão cultural, o que acarreta desentendimentos, mas para mim isso foi sempre aonde a vida real começa, no sair de si mesmo para se deparar com o outro, condição explícita para existirmos, pois só existe assim, em contraposição ao outro, não? Como saber se somos altos se não conhecemos os baixos? E a nossa sociedade, que é tão auto-destrutiva, quer acabar até com a nossa possibilidade de existir no olhar do outro, pois diariamente trabalha-se na eliminação de tudo o que é diferente, de todas as outras formas de viver e pensar, de agir e vestir, de ser.
Quantos mistérios!!! Quantos deles poderei ao menos tocar durante a viagem, quanto menos desvendar? E mesmo assim, o viajante é aquele que é imbuído da curiosidade pela alteridade, acredita e segue seu rumo.
Entusiasmada, liguei para o Consultado Russo com a missão de obter um visto. Atendeu um homem russo e eu perguntei, “Queria tirar uma dúvida sobre algo que li no site sobre os vistos.” Ele fez um barulinho curioso, “Nhum-nham-nhum", e depois disse "Dúvidas está tudo no site.” Eu disse, “Sim, eu li o site, mas fiquei com uma dúvida.” “Num-nham-nhum, está tudo tudo no site.” “Sei. Você prefere que eu vá ai pessoalmente?” “Nhum-nham-nhum, pode ligar depois das 13hs?” Irei pessoalmente. Quero ver ao vivo!
Sei que não será fácil, pois esta será uma viagem para o Oriente, para outra dimensão cultural, o que acarreta desentendimentos, mas para mim isso foi sempre aonde a vida real começa, no sair de si mesmo para se deparar com o outro, condição explícita para existirmos, pois só existe assim, em contraposição ao outro, não? Como saber se somos altos se não conhecemos os baixos? E a nossa sociedade, que é tão auto-destrutiva, quer acabar até com a nossa possibilidade de existir no olhar do outro, pois diariamente trabalha-se na eliminação de tudo o que é diferente, de todas as outras formas de viver e pensar, de agir e vestir, de ser.
2 comentários:
Hamlet
The audience is hushed.
I come onto the stage.
And lean against the frame of an open door
detecting from the ghost-like echo
what will happen in my lifetime.
A thousand opera-glasses rifle
their black, point-blank, gaze at me.
Abba, Father, if it be humanly possible
Let this cup pass from me…
I love your preordained design.
I assume the role that I must play and I am ready -
even though I did not write
the play in which I must act.
For this once, please let me go…
But the order of the acts is already determined,
the end of the road already revealed.
And I am alone amongst the Pharisees:
to live your life is not to cross a field.
Boris Pasternak
Nesta fantasia Se Hamlet é Zhivago, a Ofélia de Zo. é sua propria Lara, mais tristeza!
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