.....Nasci no meio do nevoeiro, no fog. Por esta razão, minha visão das coisas foi sempre limitada, mas assim me acostumei. No fog um homem feio não assusta, pois tem a feiúra atenuada na incerteza. Os lobos nós só vemos quando eles já estão perto o bastante para sabermos que não nos atacarão. No fog vive-se no presente e valem mais as palavras sussurradas e os gestos praticados. Tão entregue a este universo, tornei-me um ser sensual que gostava de tocar nas coisas, acariciá-las, caminhar sem saber para onde e até deixar-me levar pela ventania como se fosse folha. Sentia a vida ao invés de encará-la. Fui feliz, não há como negar.
.....Havia sempre um velho sentado no banco do parque do Hampstead Heath que me dizia, “Menina, você não presta atenção nas coisas. Qualquer dia vai cair dentro de um buraco.” Eu ouvia sua voz na bruma, cética de todo, ria da barbona branca dele e saia perambulando pela vida a fora. Passava os dias na rua e as noites também, pois às vezes nem dentre estes eu distinguia em meio a tantas emoções.
.....Um dia eu cantarolava pela beira do Rio Tâmisa e pluft - cai dentro de um buraco. Lembrei-me do velho. Sei que alguém gordo me alçou de volta e bombeiros vermelhos me levaram para um hospital na cidade. No início foi terrível, pois minha doença dissipou a névoa. Passei a ver tudo nitidamente. Tive medo dos médicos, pavor dos cachorros do outro lado das ruas, pânico dos policiais e dos políticos na TV. Tudo o que eu queria era curar-me para voltar para a vida no fog.
.....Quando finalmente recebi alta corri rumo ao meu bairro Hampstead. Quando cheguei lá, que tristeza, vi que o nevoeiro tinha se dissipado ali também. Corri para o parque, que era mais ao alto, mas mesmo lá não havia mais nada. Enxergava tudo, árduamente tudo. Desesperei-me!
.....Foi quando ouvi a voz do velho me chamando. Fui até ele e inquiri sobre o porquê de tal punição. Ele me disse, “Eu não te disse que um dia você ia cair dentro de um buraco?” “Mas o que tem o buraco a ver com isso?” “O buraco, menina, é o que ensina a gente que as estruturas existem, não só as sensações.” “Mas porque a névoa se foi?” “Ela não se foi. Ela nunca existiu. Vivia dentro de você, assim como um dia viveu dentro de mim. Depois que se cai no buraco, ela vai embora da gente.” Abismei-me, “Você também caiu no buraco?” “Cai.” “Faz tempo?” mirei a sujeira de sua barba mal feita. “Faz.” “Porque isso acontece?” “Não sei” ele disse resignado. “Desde então, o que você faz?” “Fico sentado aqui no banco do parque esperando o inverno. É o ponto mais alto da cidade. Às vezes, o fog vem e fica por algumas horas.”
.....Olhei para o horizonte do fim de tarde e a abundância verde das árvores que o cercavam. Era um lugar bonito, apesar de melancólico, “Posso sentar-me contigo?” Ele permaneceu quieto por um tempo, depois disse, “Pode. Saiba que ela pode demorar.” “Eu espero-a.”