A Galeria Vermelho, que deve ter sido batizada inspirada no peixe homônimo, é o reduto dos artistas descolados e seus pseudo-comparsas. Isto simplesmente quer dizer que lá as pessoas não são coladas à nada – seja à preconceitos, padrões ou paredões – elas são “des.” Por isso, eu não estranhei o curioso diálogo que lá testemunhei esses dias.
.....Ele devia ter seus trinta e dez anos, mas claro que vestia-se de preto o que, junto ao boné invertido, dava-lhe ares de um artista marginal e possivelmente até radical. Ela não era mais jovem e nem por isso casada, como ele logo observou no seu dedo da mão esquerda, mas usava uma saia mais colorida do que o quadro de Beatriz Milhazes com um decote estratégico na altura dos seios que traía alguma intenção além-arte na sua presença ali. De qualquer forma, não esquecera os óculos de aros trapézicos para ler as legendas dos quadros e instalações.
.....Quando avistaram um ao outro, a sala estava vazia, exceto pelo elefante de espuma cinza em tamanho natural que o artista João Loureiro instalou ali e eu, o narrador, que sou uma mosca feita da mesma espuma e grudada no teto - sou parte da mesma instalação, mas só que ninguém viu!
.....Ela empurrou os óculos para o alto do nariz com unhas azul marinho na ponta do seu dedo indicador. Ele tomou mais seis goles de cerveja de uma vez, do jeito que eu já percebi que os alcoólatras sociais fazem quando vão a um evento de galeria em que a breja é de grátis. Ela respirou fundo. Ele virou outros seis. Os olhos dela escapuliram na direção dele, o que o fez sentir confiante e por isso ele manteve o olhar reflexivo fixo no elefante. Ela circundou o animal, admirando mais do que tudo a sua trompa. Percebendo que o “moço” não havia ainda arredado o pé dali, e interpretando isso como um sinal de interesse, ela exclamou:
- Que incrível!
Ele respondeu afirmativamente com a cabeça e um grunido assertivo,
- Hmm.
- É pura ironia!
- Também.
- Também? Total! Tipo assim, o cara conseguiu colocar a presença maciça de um elefante na sala, mas ao mesmo tempo sabemos que ele é tão leve que pode ser levantado com uma mão.
- É. – ele bebeu mais seis.
- Tipo assim, ele pôs em xeque toda a questão filosófica da massa versus o peso, como quem diz: até algo elefântico pode ter o peso de uma pluma.
- E vice-versa, né? – ele animou-se.
- Exato! Poderia ser uma formiga que pesa uma tonelada.
- É! – ele riu.
- Tipo, é a arte desafiando toda a ciência e a lógica cartesiana; questionando: porque que algo grande em forma de um elefante tem que necessariamente ser pesado?
- É imprevisível.
- É metafísico!
- Física quântica pura.
- Meu, genial esse cara!
- Genial mesmo.
.....Um breve silêncio instalou-se em meio à toda essa concordância. Ela ajeitou novamente o trapézio que escorregara nariz abaixo com o suor que foi gerado durante a intensa troca sobre o elefante. Ele bebeu mais seis e percebeu havia chegado ao fim.
- Vamos trepar? – ele perguntou.
Ela olhou para ele com admiração. Talvez tenha se surpreendido, mas muito provavelmente ela considerou genial a sua franqueza.
- Vamos.
.....Eu cai do teto e colei no elefante.
.....Ele devia ter seus trinta e dez anos, mas claro que vestia-se de preto o que, junto ao boné invertido, dava-lhe ares de um artista marginal e possivelmente até radical. Ela não era mais jovem e nem por isso casada, como ele logo observou no seu dedo da mão esquerda, mas usava uma saia mais colorida do que o quadro de Beatriz Milhazes com um decote estratégico na altura dos seios que traía alguma intenção além-arte na sua presença ali. De qualquer forma, não esquecera os óculos de aros trapézicos para ler as legendas dos quadros e instalações.
.....Quando avistaram um ao outro, a sala estava vazia, exceto pelo elefante de espuma cinza em tamanho natural que o artista João Loureiro instalou ali e eu, o narrador, que sou uma mosca feita da mesma espuma e grudada no teto - sou parte da mesma instalação, mas só que ninguém viu!
.....Ela empurrou os óculos para o alto do nariz com unhas azul marinho na ponta do seu dedo indicador. Ele tomou mais seis goles de cerveja de uma vez, do jeito que eu já percebi que os alcoólatras sociais fazem quando vão a um evento de galeria em que a breja é de grátis. Ela respirou fundo. Ele virou outros seis. Os olhos dela escapuliram na direção dele, o que o fez sentir confiante e por isso ele manteve o olhar reflexivo fixo no elefante. Ela circundou o animal, admirando mais do que tudo a sua trompa. Percebendo que o “moço” não havia ainda arredado o pé dali, e interpretando isso como um sinal de interesse, ela exclamou:
- Que incrível!
Ele respondeu afirmativamente com a cabeça e um grunido assertivo,
- Hmm.
- É pura ironia!
- Também.
- Também? Total! Tipo assim, o cara conseguiu colocar a presença maciça de um elefante na sala, mas ao mesmo tempo sabemos que ele é tão leve que pode ser levantado com uma mão.
- É. – ele bebeu mais seis.
- Tipo assim, ele pôs em xeque toda a questão filosófica da massa versus o peso, como quem diz: até algo elefântico pode ter o peso de uma pluma.
- E vice-versa, né? – ele animou-se.
- Exato! Poderia ser uma formiga que pesa uma tonelada.
- É! – ele riu.
- Tipo, é a arte desafiando toda a ciência e a lógica cartesiana; questionando: porque que algo grande em forma de um elefante tem que necessariamente ser pesado?
- É imprevisível.
- É metafísico!
- Física quântica pura.
- Meu, genial esse cara!
- Genial mesmo.
.....Um breve silêncio instalou-se em meio à toda essa concordância. Ela ajeitou novamente o trapézio que escorregara nariz abaixo com o suor que foi gerado durante a intensa troca sobre o elefante. Ele bebeu mais seis e percebeu havia chegado ao fim.
- Vamos trepar? – ele perguntou.
Ela olhou para ele com admiração. Talvez tenha se surpreendido, mas muito provavelmente ela considerou genial a sua franqueza.
- Vamos.
.....Eu cai do teto e colei no elefante.
4 comentários:
ahahhahaha
mais direto, impossível
Hun...que casal "des"...será que vira?
hehehe
Bjs
Hun...que casal "des"...será que vira?
hehehe
Bjs
HAHAHAHA
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